As pessoas de Edo (antiga Tóquio) adoravam flores. Especialmente durante o período "Bunka-Bunsei" (1804-1829, no final da Era Edo), muitas feiras e espetáculos de flores tinham lugar em vários locais. Os Jardins Mukojima Hyakka-en foram um forma de os habitantes de Edo expressarem o seu forte afeto por flores. Um vendedor de antiguidades apelou a vários amigos cultos e construiu o jardim com a sua cooperação. O homem que deu nome ao jardim, e também um dos colaboradores e donos do jardim, era um artista líder da Escola Rimpa de Edo, Hoitsu Sakai. Ele nasceu como samurai de alto nível, mas saiu de casa ainda jovem e viveu como um homem culto. Mais tarde ele admirou Korin Ogata (1658-1716) e pintou várias obras que foram influenciadas por ele. Apesar de as obras de Korin serem poderosas e belas, Hoitsu criou o seu próprio mundo único para expressar um sentido peculiar e delicado de beleza por pequenas, delicadas e belas plantas e flores.
Jardins Mukojima Hyakka-en
Estes jardins foram construídos para que os visitantes possam desfrutar de vários tipos de flores sazonais. No início, plantaram 360 flores de ameixeira nos jardins selvagens. E passo a passo, o fundador colecionou centenas de plantas que apareciam em obras de literatura clássica japonesa, como o Manyo-shu. Hoitsu deu o nome de "Hyakka-en" (o jardim com centenas de flores) a este jardim, pois os jardins começaram com flores de ameixeira (que antecedem a primavera), mas rapidamente ficaram repletos com uma exuberância de muitos outros tipos de flores.
Eu visitei os jardins mesmo após uma chuva. Era início do outono. As gotas de chuva brilhavam nas belas folhas verdes e algumas das folhas já tinham mudado para as suas cores de outono. As pessoas desfrutavam de uma caminhada através de um túnel de belas flores cor-de-rosa de um tipo de arbusto japonês. Elegantes campânulas chinesas e nobres flores de gengibre também estavam no seu melhor. Estas graciosas e pequenas flores eram bastante populares entre as pessoas de Edo, e mesmo agora, adoramo-las.
Hoitsu Sakai (1761-1828)
Hoitsu Sakai nasceu em 1761, e foi o segundo filho de um daimyo em Himeji. O seu avô era um roju (um oficial da mais alta classe do Shogunato Tokugawa). Os seus pais faleceram quando os filhos ainda eram novos, e o seu irmão herdou a propriedade sob tutela do seu avô. Quando Hoitsu completou 30 anos de idade, saiu de casa e tornou-se sacerdote para que o filho do seu irmão pudesse tomar o lugar de chefe da família. Neste caso, tornar-se sacerdote era apenas uma questão de forma. Ao fazê-lo, Hoitsu estava a declarar a sua intenção em não herdar a fortuna da família.
Por volta de 1790, Hoitsu compôs vários escritos de poemas haiku e pintou diversas obras de forma dedicada. Tanto os seus poemas como as suas pinturas funcionavam em uníssono para expressar a sua mente artística. Para as suas pinturas, ele estudou e aprendeu através das grandes obras de Korin que tinham sido entregues à Família Sakai. Os Sakai eram hóspedes dos Korin durante a sua estadia em Edo. Hoitsu viveu cerca de 100 anos após Korin, mas para Hoitsu, Korin era o seu grande instrutor de arte.
Em 1821, Hoitsu produziu a melhor obra da sua vida, "Plantas Floridas do Verão e do Outono" (Natsuakikusa-zu Byobu). Baseada num pedido do pai (Harusada Hitotsubashi) do Shogun, Hoitsu pintou esta obra no lado contrário de um famoso biombo dourado de Korin, "Os Deuses do Vento e do Trovão" (Fujin Raijin Zu), que era uma cópia do original de Sotatsu com o mesmo título, de 1639. Era uma grande oportunidade para Hoitsu: ele desafiar-se-ia a si mesmo a equiparar o génio de Korin no mesmo biombo. Dê uma olhada abaixo para ver a obra. O que acha?
"Plantas Floridas do Verão e do Outono" (Museu Nacional de Tóquio)
O painel do lado direito ilustra um suave aguaceiro no final do verão. Trepadeiras cor-de-rosa e lírios brancos erguem-se com as suas cabeças inclinadas. Um rio cresce a pouco e pouco. Por outro lado, no painel do lado esquerdo, a chuva parou. Folhas vermelhas de araruta japonesa esvoaçam e as folhas curvadas de Susuki (um tipo de planta com flor japonesa) fazem-nos sentir um forte vento de outono. Este biombo representa a mudança de estações entre o verão e o outono.
Como mencionei acima, este painel tem uma estrutura dupla. Na parte de trás do fim do verão de Hoitsu encontra-se o Deus do Vento de Korin, e na parte de trás do outono de Hoitsu está o Deus do Trovão de Korin. Significa que as plantas agitam ao sabor do vento criado pelo Deus do Vento, e que as flores se molham com a chuva que o Deus do Trovão cria. Os Deuses do Vento e do Trovão estão no céu e elevam-se por cima do mundo. Korin retratou um mundo para lá do conhecimento do homem. Por essa razão, Hoitsu exprimiu o mundo terreno onde ele sentia a passagem do tempo, o desabrochar das flores, as alterações atmosféricas, e as estações e a vida a continuar. Já que o fundo do painel de Korin era num dourado forte, Hoitsu usou um prateado tímido no seu painel. Talvez isto mostre o estado de delicadeza e quietude que ele alcançara na sua vida.
Estas imagens estão agora separadas em dois biombos para poderem ser melhor preservadas. A obra de Hoitsu é normalmente exibida apenas durante duas semanas no outono. Por favor confirme o calendário aqui.
Sobre esta série
A Escola Rimpa começou no Japão do séc. XVI. Os seus mestres usavam estruturas arrojadas, desenhos decorativos mas delicados, e procuravam criar belos espaços abertos. Os artistas categorizados na Escola Rimpa eram conhecidos pela sua tendência a serem independentes e a aprenderem através das pinturas de outros artistas. Nesta série, apresento cinco artistas da Escola Rimpa; mestres que contribuíram com grandes obras para a história da arte do Japão.
1 - Koetsu Hon Ami (1558-1637): Templo Koetsu-ji, Quioto
2 - Sotatsu Tawaraya (1570?-desconhecido): Templo Kennin-ji, Quioto
3 - Korin Ogata (1658-1716): Museu de Arte MOA, Atami
4 - Hoitsu Sakai (1761-1829): Jardim Mukojima Hyakka-en, Tóquio
5 - Soitsu Suzuki (1796-1858): Uma Paixão por Glórias-da-Manhã