O Jardim de Glover em Nagasaki

Passos Forasteiros em Yokohama 23 - Glover & Samurai

Na cidade de Nagasaki, no topo de uma colina em Minami Yamate, existe uma imponente casa de estilo ocidental, de onde se pode ter uma visão panorâmica sobre o porto de Nagasaki. Originalmente, o dono desta casa era um mercador escocês, Thomas Blake Glover, o qual teve um papel importante na história do desenvolvimento de Nagasaki em meados do século XIX. Nas proximidades foram reconstruídas casas do mesmo género, respeitando o estilo que teriam na época, e hoje em dia no topo desta colina fazem parte do que se chama o “Glover Garden” (O Jardim de Glover).

A Casa Glover

A Casa Glover é considerada o edifício de madeira em estilo ocidental mais antigo do Japão, tendo sido construído em 1863. O alpendre, com chão em pedra, é espaçoso e tem forma octogonal. Através dele acedemos ao corredor interior da casa, tendo sido um aspeto arquitetónico desenhado pelo próprio Glover. Aparentemente o proprietário não desejava ter apenas uma porta frontal para a casa, pois era mais conveniente que os seus convidados e os convivas das festas que organizava tivessem várias possibilidades para entrar e sair da casa. O carpinteiro responsável por esta obra foi um mestre japonês, Shu (ou Hidenoshin) Koyama. Quando a obra lhe foi encomendada ele não tinha experiência prévia de construir em estilo ocidental, mas fez pesquisa, recolheu várias ideias e finalmente conseguiu completar esta obra inovadora.

A encosta suave da parte dianteira do jardim conduz a uma palmeira asiática (folhas em leque) com 300 anos. Ao entrar na casa, será recebido por uma pintura a óleo da autoria do próprio Glover, no quarto de hóspedes poderá ver uma mala pequena e uma bengala de caminhada que eram usadas por ele. No sótão existe mesmo um quarto secreto, onde presumivelmente teriam tido lugar reuniões clandestinas entre os samurai locais que estavam a conspirar para derrubar o Shogunato, visto que Glover apoiava discretamente essas intenções.

Thomas Blake Glover

Glover nasceu em Fraserburgh, na Escócia, em 1838 e viajou para o Japão em 1859 para realizar o seu desejo de ser bem-sucedido como homem de negócios. Atingiu um estatuto de grande respeito entre os seus pares, também eles estrangeiros a residir no Japão. Após ter representado uma companhia de negócios britânica prestigiada – a Jardine Matheson Holdings – como seu agente em Nagasaki, eventualmente acabou por estabelecer a sua própria empresa: a Glover Trading Co., em 1862. No ano seguinte construiu a sua fabulosa residência em Minami Yamate.

Glover e o movimento samurai anti-Shogunato

Em 1863, Glover apoiou o grupo Choshu-5, constituído por cinco líderes de fações rebeldes da Prefeitura de Yamaguchi, tendo-lhes facilitado uma viagem para fora do território Japonês, o que era estritamente proibido naquela época. O propósito da viagem era residirem no Reino Unido de modo a estudarem inglês e a cultura europeia de um modo geral, ficando assim a par do modo de vida e de pensamento dos países mais desenvolvidos. Glover foi ajudado por William Keswick (o fundador da companhia Jardine Matheson Holdings), que tomou conta dos japoneses enquanto estiveram no Reino Unido. Dez anos mais tarde, o grupo Choshu-5 desempenhou um papel ativo no recém-estabelecido Governo Meiji. A gratidão para com Glover continuou nos anos subsequentes.

O sucesso e a bancarrota de Glover

Entre 1866 e 1868, Glover expandiu a sua rede de negócios e começou a aplicar os seus investimentos no desenvolvimento das minas de carvão, bem como nas docas de construção de navios. Ao mesmo tempo, abriu sucursais em Shangai, Yokohama, Osaka e Kobe, uma a seguir à outra. Devido à rapidez com que executou esta expansão, os seus bens e valores líquidos ficaram comprometidos. Para além disso, Glover foi excessivamente otimista, porventura pouco rigoroso no seu balanço de despesas, e investiu demasiado tempo na política interna japonesa. Em resultado disso, a empresa de Glover declarou bancarrota em 1871. Glover continuou a trabalhar na gestão, negócio e finanças, ao serviço das minas de carvão de Nagasaki, até que em 1874 as suas dívidas foram consideradas saldadas.

A vida em Tóquio

Em 1876, Glover mudou-se para Tóquio na qualidade de consultor para a Mitsubishi, acompanhado da sua mulher – Tsuru – e das suas crianças – Hana e Tomisaburo. Em 1883, o governo japonês estabeleceu o Rokumei-kan: um clube social criado pelo arquiteto britânico Josiah Conder, onde VIP estrangeiros e japoneses podiam confraternizar, tendo em vista o processo de modernização do Japão. Glover, que tinha conquistado um papel de grande influência na sociedade japonesa, e que era considerado uma pessoa de boa-fé tanto por ocidentais como por japoneses, foi solicitado para o cargo de secretário desse clube.

Em 1885 acumulou novas funções, tendo passado a tomar conta de uma fábrica de produção de cerveja em Yokohama, da qual veio a tornar-se presidente em 1891. A marca de cerveja que aí se veio a formar foi a Kirin Holdings.

A partir de cerca de 1897, passou a ter residência temporária em Nikko, onde adorava ir pescar, pois procurava passar os seus anos dourados num ambiente mais sossegado. Veio a falecer devido a complicações de saúde ao nível dos rins, em 1911, três anos depois de ter sido condecorado pelo governo japonês pela sua vida de serviço excecional ao Japão.

A velha casa da companhia Mitsubishi, na colina sobranceira à segunda doca do porto, rodeada pelo jardim com vista panorâmica, testemunha os dias de Glover em Nagasaki e os grandes sonhos que teve enquanto aí residiu. Nos últimos dias da sua vida deverá ter tido a oportunidade de saborear a estima que lhe tinham tanto os ocidentais como os japoneses, os quais o reconheciam como um notável diplomata não-governamental. Com efeito, quando estamos nesta varanda, quase podemos pressentir os sonhos e ambições do próprio Glover.

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