Gruu, gruu... Ouço o som uma e outra vez. Começou suavemente, depois com maior intensidade. Perguntei-me se seria alguém a ressonar, ou um urso, mas nada disso! Poderia o edifício estar vivo? Eu pensava que isso não era possível, isto é, até visitar este lugar.
Se o solo e as árvores - e todas as outras plantas - respiram, porque não podem respirar os edifícios que são feitos desses mesmos materiais da Natureza? Aqui, parece que o arquitecto tentou mostrar-nos um edifício vivo, em plena harmonia com o mundo natural que o envolve. Não que o consiga ouvir sempre, nem logo à partida, mas se fechar os seus sentidos a todas as outras distracções conseguirá ouvi-lo. Por exemplo, se encostar o seu corpo a um dos três pilares (que mais parecem troncos de árvores), fechar os olhos e permanecer alguns minutos em silêncio. A verdade é que este edifício é o suporte de todo um ecossistema. Tem até cabelos feitos da erva que cobre o telhado, os quais são cuidadosamente aparados pelo cabeleireiro, isto é, jardineiro.
La Collina é uma criação de Terunobu Fujimori, e nasceu para albergar uma fábrica de bolos em 2015. O seu nome - que significa "a colina" em italiano - está sugerido no seu telhado, que simula uma colina natural dentro do parque (ao longe, por estar coberto de erva, mal se distingue como edifício). A região é rica em florestas e montanhas, e fica mesmo ao lado do Lago Biwa, que é o maior lago do Japão. Para Fujimori, os protagonistas das suas criações arquitectónicas são a Natureza e as pessoas que nela habitam. Usa amiúde materiais das florestas envolventes, e procura que o intelecto e o sentido de vida em comunidade se conjuguem no próprio edifício. A zona onde nasceu - a floresta "alpina" de Nagano - teve nele um grande impacto, dando lugar a um modo muito peculiar de tecer o natural e o humano, sem julgamentos, de um modo que quase parece infantil. Por outro lado, os elementos mais "mecânicos" da construção são raros no seu portefólio. Desde a inusitada Takasugi-san, uma casa-de-chá numa árvore, até Lamune Onsen, que brinca com a impressão jovial das bebidas gaseificadas que são populares com as crianças, as suas obras trocam-nos as voltas acerca de como nos relacionamos com os edifícios e qual é por sua vez a relação destes com o ambiente que os rodeia.
"A Terra fala a todos nós, e se ouvirmos poderemos entender." - O Castelo no Céu (1986), filme de animação do Estúdio Ghibli
Tal como a erva no telhado, este edifício está a crescer. Através da colaboração com agricultores locais desenvolveu-se um projecto para alargá-lo com um mercado, uma padaria, um restaurante e outras lojas de doces. Mas, por enquanto, já vale a pena uma visita. No piso térreo pode ver produzir o bolo "baumkuchen" e as panquecas "dorayaki". Ao observar a intensidade e o sentido quase espiritual com que estes artesãos trabalham pode sentir algo que ultrapassa a mera criação de iguarias doces. Com efeito, aqui fabricam-se memórias.
A madeira usada para construir a fábrica de doces é uma alegoria à criação dos próprios doces. Ao longo do seu percurso irá ver dezenas de toros de madeira. Podem até parecer-lhe artefactos do passado, mas eles são usados hoje em dia, com a mesma utilidade de outrora. Também pode ver as formas para os "wagashi" (doces tradicionais japoneses), que foram usadas geração após geração, e que ainda se retiram da prateleira (ou melhor, da parede onde estão expostos) para serem usados na estação adequada. Os "wagashi" reflectem sempre a estação do ano, aludindo à passagem do tempo e à efemeridade das coisas, e também são uma forma de miniaturizar a natureza: pequenas garças, minúsculos coelhos, e outros ícones japoneses, os quais se podem ver aparecer sazonalmente tanto da doçaria como na gravura.
A fábrica-mãe de "baumkuchen" - Club Harie - foi fundada em 1951 por Taneya, um confeiteiro de "wagashi". Os donos da fábrica eram amigos de William Merrell Vories (1880-1964), um missionário cristão e também um homem de negócios. Por causa dessa amizade a família de Taneya começou a fabricar também doces ocidentais, e manteve as receitas até à mais pequena vírgula durante mais de 60 anos.
Para além do tradicional "baumkuchen" também produziam o "baukemann", um bolo que se parece com um toro de árvore que foi cortado. Os anéis do tronco da árvore marcam a duração da sua vida na Terra, e é essa a imagem única deste bolo. O "baumkuchen" é um símbolo de vida e longevidade na sua cultura original, e isso tornou-o popular no Japão. Por terras nipónicas este bolo veio a associar-se aos casamentos, mais exactamente ao sentido de gratidão que a noiva e o noivo expressavam por poderem vir a partilhar uma longa vida juntos.
Na verdade pode comprar-se "baumkuchen" um pouco por todo o lado no Japão, mas apenas aqui pode aprender mais sobre a sua história e ter a experiência da cultura cooperativa desta fábrica. No fundo, é tudo sobre amar a Natureza e aprender com ela, ligando-se com as pessoas. E, se quiser, pode criar as suas próprias memórias e levar um bolinho como prenda.