Saraça: Têxteis com História

Atelier e loja de produtos têxteis regionais

Amakusa é uma pequena ilha no grande arquipélago nipónico, mas a sua história é tão rica e diversificada que a partir daqui pode ter-se um relance de todos os grandes temas da história e cultura do Japão. Tomemos como exemplo o pano "saraça", que é original de Amakusa e foi desenvolvido aqui a partir dos tecidos estampados indianos que os portugueses trouxeram no século XVI (e que em Portugal deu origem à chita de Alcobaça). Este singular tecido, em fibras com quantidade variável de seda, era depois estampado com padrões complexos, muito diferentes da estética que normalmente associamos ao Japão. A tradição foi decaindo ao longo dos séculos XIX e XX, visto que na região não se implementaram indústrias têxteis, e aqui, tal como na maior parte do Japão rural, enfrentam o grande desafio do despovoamento e do envelhecimento da população. A somar a isso, a "saraça" é um património cultural de difícil reconhecimento no Japão, já que era sobretudo fabricada e usada por estratos mais desfavorecidos da população, geralmente coincidente com comunidades de cristãos. A "saraça" é um pano mas é também uma história intrincada, tão cheia de nós e cores como o próprio tecido, daí o seu poder metafórico. Alguns padrões da "saraça" eram mesmo código para os cristãos comunicarem entre si quando a sua religião ainda era proibida, outros serão talvez cartas de amor ou de esperança. Ninguém sabe muito bem, a recolha oral é muito difícil, e na sua maior parte luta contra o relógio da população envelhecida (e desconfiada).

Mas em Amakusa há um atelier muito peculiar, o espaço de uma artesã contemporânea, natural da prefeitura de Gifu mas que aqui reside. Isuzu-san, a amável senhora que aí nos recebe, e Nonoka, a sua filha brilhantemente fluente em inglês, gerem um café no piso térreo, um atelier em constante bagunça criativa, e uma bela sala de exposição com chão de tatami. A loja, que se mescla com o espaço do café, dá-lhe uma ideia da atitude de Isuzu-san, que há já muitos anos se dedica a produzir nos dias de hoje padrões que se inspiram nos exemplares históricos da saraça. A sua pesquisa, feita ao sabor da confiança ganha aos habitantes de Amakusa, enfrenta muitos desafios. As saraças propriamente ditas são panos, muito frágeis na sua conservação, e portanto, e não restam muitos exemplares. As famílias que os possuem geralmente escondem-nos, como relíquias, e apenas alguns herdeiros que se encaminham para abandonar Amakusa em favor das grandes cidades acabam por entregá-los à guarda do Museu local. É junto dos curadores do Museu que Isuzu-san faz o pedido para consultar o arquivo, e através das fotocópias dos registos de entrada dos exemplares de saraça pode então estudar os motivos e os padrões, e criar as suas peças novas.

Na loja pode ver tanto panos de saraça como peças modernas: t-shirts, carteiras, capas de livros, etc. Pensam-se novos usos para que a tradição não morra, num esforço para fazer a saraça ser reconhecida como algo belo, digno, que represente Amakusa aos olhos do resto do Japão e até do resto do mundo. Isuzu-san acredita que o reconhecimento da saraça como património cultural tarda demais, e que o seu trabalho como artesã pode ajudar um pouco, mas é a primeira a reconhecer que o ideal era fazer-se mais investigação, exposições e colaboração com Portugal e a Índia. Falámos demoradamente sobre como o património cultural das artes utilitárias é menosprezado, mas de como é rico e interessante o seu valor, enquanto bebemos uma chávena de chá com os doces de figo do seu vizinho Miyose-san.

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